Hoje estava pensando sobre o que escrever, então decidi falar sobre a
pessoa com deficiência, educação, formação profissional.
Eu apesar das dificuldades na infância para tratamentos e internações
para cirurgias devido às sequelas de poliomielite, puder estudar. Com algumas
interrupções devidos as internações. Mas,
contudo isso, consegui estudar. Tenho uma mãe que sempre me incentivou a
estudar e tomou decisões para que isso pudesse acontecer.
Sou de uma época que não se falava tanto em inclusão, acessibilidade.
Mas mesmo assim Deus sempre colocou em minha vida pessoas atenciosas que se
preocupavam com o próximo, e nem adianta falar que eram diretores de escola,
professores que não fizeram mais que obrigação, porque isso não é argumento,
quando se tem governantes que não fazem suas OBRIGAÇÕES. Essas pessoas se
dispuseram a fazer algo “além da curva”.
Pessoas que quando minha mãe ia fazer minha matrícula e explicava minha
dificuldade de locomoção procuravam me colocar em salas próximas às saídas, a
banheiros, refeitórios, enfim, faziam mudanças para que eu “única” criança com
deficiência na escola pudesse estudar em igualdade de condições com os demais
alunos. E assim foi em cada escola por onde passei até a conclusão do ensino
médio.
Mas antes de chegar à escola é necessário o uso de transportes públicos
e calçadas conservadas. Durante os anos iniciais na escola, meus pais puderam
pagar transporte para que eu e minha irmã fôssemos estudar, e conforme fui crescendo
e tive sempre a companhia de minha irmã Beatriz comecei a ir para a escola de
ônibus, e já na infância pude presenciar a falta de empatia, de educação de
algumas pessoas nos transportes públicos. Era comum, pessoas não cederem lugar,
mais comum ainda era motorista que não esperava nem eu me sentar para “arrancar”
com o ônibus. Ou ainda chegar em casa somente duas horas depois da saída do
horário escolar porque motoristas não paravam no ponto. Duas horas em um trajeto
que não levava nem 10 minutos.
Imagine
passar por situações assim por anos, se você se zanga por alguns dias de
estresse nos transportes coletivos, imagina a situação de quem tem uma
deficiência. Que fique claro, que isso não é “ vitimismo”, é a realidade de se
morar em um país que não investe em educação, em transporte público e muito
menos em políticas públicas que valorize a pessoa com deficiência como cidadã.
Quando fiz minha faculdade apesar do prédio acessível, as dificuldades
com transporte continuaram. Quantas vezes chegava à faculdade chorando de raiva
por estar atrasada por ter perdido alguns ônibus que me deixou no ponto sem
parar. Eu entrava no banheiro, chorava colocando para fora toda minha revolta,
toda minha raiva, por me sentir tão impotente diante daquela situação. Depois
recobrava meu juízo, enxugava meu rosto e ia para sala de aula, pois eu tinha
em mente, que se eu desistisse por causa das dificuldades, nada acrescentaria
em minha vida nem na vida de outras pessoas. Decidi que eu poderia sim através
de meus estudos, de conhecimentos adquiridos fazer diferença, e ajudar outras
pessoas com deficiência a não passarem por situações como as que eu passava. E
foi com esse pensamento e o incentivo de familiares e amigos que concluí minha
graduação.
Iniciei logo após minha pós graduação em pedagogia empresarial e os
mesmos problemas se apresentando a cada ia para as aulas.
Hoje trabalho com inclusão de pessoas com deficiência no mercado de
trabalho. E já ouvi muitas histórias. Sobre o grau de escolaridade das PcD”s,
sobre alfabetização, profissionalização.
Já ouvi e ainda ouço pessoas dizendo que PcD’s não tem qualificação
profissional, outros dizendo que isso de PcD não ter qualificação profissional
é mito. Essas sentenças muitas vezes
culpando a pessoa com deficiência por sua falta de escolaridade.
Pense você: Um país com mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo
de deficiência e 61% dessas pessoas terem o ensino fundamental incompleto, o
que significa? Será que todas essas pessoas não quiseram estudar ou não puderam?
ou ainda não podem estudar por falta de acessibilidade? E quando eu digo
acessibilidade eu falo de uma maneira muito ampla.
Deixa eu falar agora das escolas, já que dos transportes públicos comentei
em parágrafos anteriores. TODAS as escolas possuem intérprete de Libras para
alunos com deficiência auditiva, possuem livros em braile para alfabetização de
crianças cegas, possuem professores de apoio/mediadores para auxiliar as
crianças com deficiência? Possuem salas com atividades lúdicas para aprendizado
daquelas que necessitam de uma didática mais diferenciada? As bibliotecas e
demais salas interativas das escolas estão sempre nos primeiros pavimentos? Para
que Todas as crianças tenham acesso inclusive os alunos com dificuldade de
locomoção?
Sem transporte e escolas acessíveis, profissionais qualificados, como
estudar? Isso não é preguiça gente, é realidade.
Sou fã daqueles que, apesar das dificuldades conseguiram seguir em
frente. Mas quantos ficaram para trás por falta de opção, de oportunidade, por
falta de informação ou conhecimento, ou mesmo apoio da família.
Uma observação que sempre gosto de fazer é:
“Falo neste texto e sempre que tenho oportunidade, das pessoas que
querem fazer diferente, mas ainda não conseguiram por todos os motivos que
mencionei anteriormente”. Pois quem não quer mudar, quem não gosta de estudar,
vai sempre permanecer na mesma situação, e isso independe se a pessoa tem uma
deficiência ou não.
O lado bom é que algumas empresas “incentivadas” pela Lei de Cotas ou
não, hoje em dia oferecem cursos de qualificação profissional às pessoas com
deficiência e alguns ainda oferecem uma ajuda de custo, além de, ao final dos cursos
após avaliação, podem ser aproveitadas, contratadas para o quadro de
funcionários. Muitos querem deixar de receber o benefício do governo federal e
se incluir no mercado de trabalho, mas como sem escolaridade, sem formação
profissional?
Você deixaria sua casa, um lugar seguro, sem riscos de quedas nas vias
públicas, sem precisar passar por constrangimentos nos transportes coletivos
para ganhar o mesmo valor enfrentando essas situações e ainda enfrentar algum
tipo de preconceito de alguns colegas de trabalho? O que você faria?
Termino com uma frase de Kant, que diz o seguinte:
"O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele."